7.1 como tudo começou

por Raíssa Couto / Ilustração Paloma Santos

Eu sou a Raíssa Couto, fundadora da 7.1 acessibilidade criativa e vou começar me descrevendo para vocês. Se descrever é um recurso super importante usado para que as pessoas com deficiência visual saibam quem você é fisicamente. Eu sou uma mulher cis de pele branca, cabelos castanhos cacheados na altura abaixo do ombro, tenho 1,80m, sou magra e tenho traços finos no rosto. Geralmente uso óculos de grau com armação arredondada marrom. Sou uma mulher sem deficiência.

Eu trabalhei um bom tempo como produtora e gestora de eventos. Sempre fui aquela pessoa que tinha todos os números de telefone de fornecedores no meu celular e que todo final de ano era bombardeada de mensagens de feliz natal de empresas de banheiro químico, prismas, gráficas, lonas e por aí vai. Trabalhava até tarde nas montagens e desmontagens e adorava a bagunça boa do backstage. 

Atuava como produtora de eventos culturais sustentáveis e sempre tinha o tripé da sustentabilidade como guia. Para quem não conhece esse conceito, ele fala da sustentabilidade de forma ampla, ele propõe uma atuação efetiva das empresas nos setores social, econômico e ambiental. Pessoas, Lucro e Planeta (people, profit and planet). Era isso que eu buscava na área cultural.

No final de 2014 chegou o Reboot, um Festival sobre novas economias que eu produzi junto com um time grande de empreendedores sociais. A ideia do festival era ser uma exposição interativa para trazer alguns dos conceitos das novas economias: confiança, cuidado, criatividade, regeneração entre outros. 

Foi em uma reunião que eu lembrei de uma experiência que havia vivenciado em Buenos Aires três anos antes. Participei de um circuito sensorial no escuro, o qual todes participantes eram guiades por pessoas com deficiência visual. Dividi isso na roda sugerindo uma experiência como essa no evento. 

Foi quando eu entrei no Instituto Benjamin Constant pela primeira vez. Visitei alguns departamentos e percebi que não haviam pessoas com deficiência no meu círculo social e profissional. Isso, levando em conta que 45 milhões de pessoas no Brasil se autodeclaram pessoas com deficiência e cerca de 3,5% do total da população brasileira têm deficiência visual (IBGE de 2010). Mais do que o impacto que me gerou estes dados, e a falta de proporção com a minha realidade foi gritante e isso me moveu.

Comecei a participar de rodas de conversa, eventos, cursos livres, para entender sobre o assunto e entender porque ele era tão distante de mim. 

Trabalhei em alguns lugares, empreendi ações de acessibilidade em quase todos os projetos que eu era contratada, criei uma pequena empresa de educação e cultura inclusivas, participei da criação de um espaço maker inclusivo, criei experiências sensoriais até que comecei a ser chamada por alguns clientes para prestar serviços de consultoria. 

A 7.1 nasceu em 2020 com objetivo de promover encontros e experiências significativas para falar sobre acessibilidade, anticapacitismo e pessoas. Tem o objetivo de construir pontes unindo empresas e pessoas sem deficiência nesse debate. 

Nossa metodologia é dividida em 4 etapas. A primeira é o DESPERTAR: convite para as pessoas perceberem a existência da acessibilidade e seus preconceitos. A segunda é LETRAMENTO: acreditamos que não há mudança sem informação. ENGAJAMENTO: que é o movimento para ação e, por último, COMPROMETIMENTO: precisa ser um caminho sem volta.

Falar sobre acessibilidade e anticapacitismo diz sobre a sociedade que está configurada de forma excludente e inacessível, que exclui corpos e exclui narrativas. Ela segue um padrão normativo, e essa normatividade é imposta pela lógica capitalista e capacitista que diz e determina quem é ou não capaz de produzir e consumir. 

Eu como uma mulher sem deficiência me sinto responsável pelo capacitismo estrutural e trabalho para rompê-lo. Me perguntam com frequência se eu tenho um filho ou um parente com deficiência e isso sempre me faz refletir sobre o motivo das pessoas associarem que uma pessoa sem deficiência que trabalha com acessibilidade precisa necessariamente ter alguma relação afetiva com alguma pessoa com deficiência e não simplesmente querer uma sociedade diferente. 

Esse pensamento expõe o nosso individualismo enquanto sociedade e um certo limite de compaixão. Eu reconheço o meu lugar de fala e sei da importância que tenho como aliada.

O Gustavo Torniero uma vez escreveu “Apoiar e falar sobre o assunto é diferente de falar em nome de alguém ou da causa” e cita o lema do movimento internacional de pessoas com deficiência que é “nada sobre nós sem nós”.

A 7.1 é um hub de profissionais com e sem deficiência e trabalha com pessoas com deficiência em todos os projetos em sua construção, desenho e desenvolvimento. Acessibilidade é fazer COM e não fazer PARA. 

Toda a falta de acessibilidade da sociedade vêm sendo anunciada e denunciada faz tempo e por muita gente. É importante que fique claro que esse não é um debate atual. Há muito tempo existem diversas leis que garantem os direitos fundamentais das pessoas com deficiência e que não são cumpridas. 

Mas a gente sabe que tudo pode mudar e sabe que acessibilidade é um processo. Por isso que existimos. Eu torço para que as consultorias de acessibilidade não sejam mais necessárias no futuro, para que a sociedade, as pessoas e as empresas se ressignifiquem e a gente viva sim em um futuro anticapacitista. 

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