Lugar de ser infantil é na infância

Ilustração de homem em uma cadeira de rodas amarela. Sua perna esquerda é mecânica e seu pé esquerdo está levantado com uma cores roxas saindo dele. Ele usa uma bandana azul e tem cabelos compridos e trançados. Usa uma blusa azul e uma bermuda roxa.

por Vanessa Cortez / Ilustração Paloma Santos

Se a gente procurar pelo conceito de infantilização, vamos encontrar a ideia de ações e comportamentos realizados por uma pessoa de forma imatura que se assemelham a uma criança e, por isso, são considerados como um comportamento infantil. Uma criança é um ser em pleno desenvolvimento, que está ainda em processo de elaboração dela mesma e do mundo que a cerca; tendo seu potencial de aprendizado estimulado, ela ainda está adquirindo conhecimentos importantes e está passando por uma grande quantidade de experiências que vão colaborar para o seu processo de desenvolvimento corporal e cerebral em curso. Por esses e tantos outros motivos, uma criança não é responsável por si mesma e necessita ser tutelada, pois ainda não é uma pessoa com autonomia suficiente para fazer suas próprias escolhas.

Quando não estamos lidando com crianças é importante estarmos atentos para onde direcionamos a infantilização das individualidades, pois em espaços diferentes e para pessoas diferentes, os resultados disso podem vir a representar danos na maneira como as pessoas se comportam e socializam. Por exemplo, retirar a autonomia das pessoas ou a responsabilidade delas pelos seus atos pode vir a calhar em um momento oportuno ou fazer com que ela se sinta menosprezada; mas, é claro, em contextos de vida bastante diferentes.

Quando falamos sobre pessoas com deficiência, e aqui estamos levando em consideração pessoas adultas, é sintomático que exista uma chave de comportamento que leva a sociedade à infantilização dessas individualidades e, por consequência, a retirada da autonomia sobre suas próprias decisões. É comum, embora longe de ser considerado natural, que se observe a infantilização e a superproteção de pessoas com deficiência.    

Essa atitude pode ser observada desde a forma como se fala, levando palavras para o diminutivo, como por exemplo: “ele é bonitinho”, “gostou do jantarzinho?”, “vai ser ótimo um passeiozinho no parque”, como se fosse preciso deixar tudo “explicadinho” para que a pessoa com deficiência pudesse entender a tratando como uma criança, ao mesmo tempo em que desconsidera a capacidade cognitiva de entendimento da pessoa em questão. Vale salientar que se dirigir a pessoa ao lado quando o assunto diz respeito à pessoa com deficiência também é uma forma de infantilização.

Outro ponto que é diferente, mas que colabora para essa construção infantilizada, é a superproteção que influencia nos níveis de independência e autonomia individual. Pressupor que por ter uma deficiência a pessoa está sempre precisando de ajuda é retirar dela o direito de fazer as coisas no seu tempo e do seu jeito. Em vez de imediatamente ir ao encontro de uma pessoa com deficiência para ajudá-la a realizar uma tarefa, primeiro pergunte se ela precisa de algum auxílio e como você pode ajudar. A depender da resposta dela é que você ajuda.  

A infantilização da pessoa com deficiência também vem da crença que por ter uma deficiência, necessariamente, a pessoa precisa ser tutelada, como se existisse sempre um outro indivíduo que fosse responsável por ela e por suas escolhas, retirando dela o direito de ser, simplesmente, a agente da sua própria vida. Reduzir uma pessoa com deficiência a essa característica pode minar sua autoestima e autoconfiança e, nesse caso, a ajuda só atrapalha, então, precisamos ter bastante atenção com nossas atitudes.

Vou propor analisar um contexto completamente diferente e que inclui vários privilégios: o homem hétero cisgênero e sem deficiência. Quando falamos sobre a infantilização do homem essa chave de pensamento se distancia bastante da realidade de pessoas com deficiência. Enquanto que para as pessoas adultas com deficiência a infantilização é como um descrédito, para homens pode ser usada como uma absolvição de uma atitude ou até de um delito, suavizando a responsabilidade que ele tem sobre os seus próprios atos.

Por exemplo: quando um homem se desculpa dizendo que não sabia, mas está aprendendo; quando ele explica que foi um mal entendido, mas não foi sua intenção; quando ele diz que foi só uma brincadeira e espera que passem a mão na sua cabeça; quando ele negligencia as tarefas da casa onde vive porque sugere que não foi ensinado; quando ele espera que sua parceira seja, na verdade, uma espécie de mãe; ou até em termos mais sérios quando das atitudes de assédio ou violência que possa vir a cometer.

A atitude condescendente para com o homem o infantiliza e o acolhe como se costuma fazer com crianças enquanto se desenvolvem. Mas qual o custo social dessa infantilização? Como construir uma masculinidade funcional, responsável e que se autogere se, socialmente, é aceito que homens adultos se comportem ainda como crianças em fase de crescimento?

Vocês conseguem perceber como o termo infantilização pode ser abrangente, ao mesmo tempo em que pode ser excludente e até conveniente quando olhamos caso a caso? Precisamos dar atenção à maneira como reproduzimos determinados comportamentos, pois a continuidade de posicionamentos que parecem isolados se tornam uma cultura em movimento e se enraízam.

Precisamos naturalizar o tratamento das pessoas pelo que elas são: uma pessoa adulta com deficiência; todas as vezes que conhecemos gente nova precisamos nos acostumar ao funcionamento dessa pessoa, pois cada pessoa é diferente entre si. A mesma situação se aplica para um homem adulto. E vamos combinar que todo mundo, apesar das diferenças, precisa se responsabilizar pelos seus próprios atos.

Já as crianças, deixemos para elas todo o tempo do mundo para se desenvolver, para não ter tantas responsabilidades assim, errar sem temer e aprender com os erros, para que depois elas tenham um monte de lembranças positivas das suas experiências de vida. Lugar de ser infantil é na infância!

Vanessa Cortez é jornalista da 7.1 e formada em Comunicação Social e Mestre em Literatura, Cultura e Contemporaneidade, tem interesse em tudo que envolve ouvir e contar histórias, de forma oral ou textual, e estar em contato com pessoas.

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