A LGBTfobia silenciosa nos ambientes de trabalho

Ilustração de uma mulher negra apertando um botão com a mão direita e chamando o elevador. Ela tem cabelos longos e ondulados e veste blaser e calça amarelos, tem uma bolsa rosa e do seu braço esquerdo pende uma bandeira com as cores do arco-íris. Atrás dela, uma parede roxa e um quadro de avisos branco com uma frase escrita em roxo: “se faz essencial a criação de uma cultura organizacional fundada em princípios que valorizem a diversidade”.

por Walleria Suri / Ilustração Paloma Santos

Os ambientes de trabalho em praticamente todas as áreas, ramos e localidades permanecem como grandes desafios para a inclusão de pessoas que não correspondem a um padrão estético e comportamental determinado. Muitos profissionais, quando buscam uma oportunidade de colocação no mercado veem suas chances de contratação se esvaírem, não por insuficiência de capacidade para a ocupação laboral almejada, mas por apresentarem características pessoais que não atendem aos referidos padrões. Entre os perfis geralmente recusados por empregadores, um dos segmentos mais atingidos são os que compõem a comunidade LGBTQIAPN+.

Assim como ocorre nos demais núcleos sociais, também nos ambientes de trabalho, sejam eles pequenos estabelecimentos locais ou grandes organizações multinacionais, os controles sobre a sexualidade e os papéis de gênero são práticas constantes e rigorosas. E, por causa desse controle social severo, muitas carreiras profissionais de pessoas que apresentam perfis dissonantes com as normas dos padrões cis hetero binário são inviabilizadas. Profissionais homoafetivos, transgêneros ou intersexo por exemplo, precisam camuflar a todo custo tais características pessoais para conquistarem uma vaga de trabalho, garantirem seus postos na empresa e avançarem posições em suas carreiras. Pesquisas realizadas nos últimos anos apontam que mais de 60% dos trabalhadores LGBTQIA+ preferem não revelar sua orientação sexual ou identidade de gênero nos locais onde exercem suas profissões. E mesmo aqueles que não escondem esses traços confessam ter dificuldades de falar naturalmente sobre suas relações afetivas para os colegas de equipe. Conversas corriqueiras como contar de viagens ou programas de finais de semana se tornam constrangedoras para essa população quando precisam mentir para não serem descobertos ou sentem-se desconfortáveis em compartilhar suas vivências pessoais num ambiente claramente preconceituoso, onde comentários, chacotas e piadas LGBTfóbicas dão o tom das relações interpessoais.

Esse contexto torna insalubre o expediente cotidiano da imensa maioria dos trabalhadores que possuem orientação sexual ou identidade de gênero

dissidentes dos já mencionados padrões sociais convencionais. Pois, o desgaste provocado pelos esforços despendidos para construir uma representação social que, para ser aceitável, deve ocultar quem são verdadeiramente, cedo ou tarde acarretam sérios comprometimentos psicoemocionais, considerando ainda que essa construção artificial de si, muitas vezes pode ultrapassar o período do expediente laboral, na medida em que o temor de ser surpreendido em comportamento “despadronizado”, por seus colegas ou conhecidos da empresa, se estende a espaços fora dos locais e horários de trabalho.

Contudo, para trangêneros as barreiras para obter uma vaga de trabalho formal e desenvolverem uma carreira profissional podem ser ainda mais implacáveis, já que para esse segmento da comunidade LGBTQIA+ somente aqueles que possuem ampla passabilidade, abrangendo retificação de nome e gênero na certidão de nascimento, ou aqueles que não se aprofundam na transição conseguem esconder que são pessoas trans. Todos os demais precisam contar com a consciência e esclarecimento cultural dos empregadores para terem uma chance de contratação. Nesse sentido, o contratante consciente e esclarecido é aquele que compreende a realidade social de extrema vulnerabilidade dessa comunidade. Essa compreensão requer do contratante um olhar humanizado e um conhecimento apurado sobre a dinâmica de exclusão e violência que atingem travestis, mulheres trans, homens trans, transmasculinos e não-bináries para citar apenas algumas categorias de transgêneros ou gêneros dissidentes.

O contratante com essa habilidade de análise e elaboração saberá avaliar um candidato trans considerando toda sua realidade social. Desse modo, pontos de atenção como baixa escolaridade, pouca experiência de trabalho e curta permanência nas vagas ocupadas anteriormente, passam a ser percebidas, não como traços de falta de comprometimento individual, mas como o resultado de um histórico pessoal de muita renúncia e precariedade de recursos, que vão desde a rejeição familiar e ao bullying escolar até a hostilidade dos agentes de saúde e a intensa violência urbana que estão diariamente expostos, em decorrência da transfobia estrutural existente no Brasil. Com isso tudo devidamente reconhecido num processo de seleção, o candidato transgênero terá a chance de ser avaliado em suas competências pessoais. E, a partir da oportunidade de contratação poderá recuperar os gaps de formação e adquirir conhecimento técnico satisfatório, revelando sua aptidão para colaborar com soluções muitas vezes diferenciadas e inovadoras, motivadas por uma criatividade e determinação de quem precisou, ao longo da vida, frequentemente encontrar saídas para situações que se mostravam insuperáveis.

No entanto, a conquista de ser aprovado num processo seletivo de emprego, apesar de sua fundamental importância, consiste em vencer apenas as barreiras iniciais. Permanecer no quadro de colaboradores de uma empresa é para comunidade trans um desafio bem maior. Receber um profissional transgênero sem que haja previamente uma ação consistente dentro da organização, de desconstrução de paradigmas e estereótipos sobre gênero e sexualidade, acaba gerando situações que, mesmo não intencionais, podem constranger, inferiorizar e desrespeitar esses colaboradores. Justamente por se tratar de um segmento de pessoas que vivem segregadas da sociedade e têm suas imagens sociais distorcidas por estigmas e preconceitos, a presença de colaboradores transgêneros nas equipes de trabalho podem aguçar nos outros membros do time, tanto sentimentos de curiosidade e admiração, como também de reprovação, receio e desconfiança, que acabam se transformando em abordagens e comportamentos invasivos, hostis ou discriminatórios dirigidas às pessoas trans no convívio cotidiano de trabalho. Para garantir um ambiente laboral seguro, respeitoso e inclusivo para trabalhadores trans e também para profissionais de toda comunidade LGBTQIA+, se faz essencial a criação de uma cultura organizacional fundada em princípios que valorizam a diversidade, a equidade, o senso de pertencimento e a dignidade humana.

Walleria Suri é uma mulher com deficiência visual, consultora de DE&I, ativista pelos direitos humanos e protagonista do filme Aurora, uma cinebiografia sobre sua vida e luta.

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