por João Paulo Lima / Ilustração Paloma Santos
No dia 07 de julho de 2023, o IBGE divulgou novos dados estatísticos sobre pessoas com deficiência no país. Na página do Instituto a manchete era: Pessoas com deficiência têm menor acesso à educação, ao trabalho e à renda. Ao ler detalhadamente os resultados da pesquisa, sem espanto, mas com indignação, recordei-me das tantas vezes que vejo nas ruas pessoas defs sem sequer uma mobilidade digna, desde seus suportes ortopédicos: muletas, cadeiras, andadores, bengalas; até a qualidade das ruas, calçadas, transportes públicos e pessoas não defs que interferem no direito à cidade. E, sim, as pessoas não defs também podem ser obstáculos físicos e sociais difíceis de transpor. Para a melhoria de parte dessa qualidade de mobilidade, há o que se chama Acessibilidade Atitudinal: nossos modos de olhar, abordar e interferir nos corpos das pessoas com deficiência podem dizer muito de uma sociedade extremamente preconceituosa e desrespeitosa com a diferença.
O cientista social Marco Antonio Gavério, homem com deficiência, em 2015, já lançava a questão Que corpo deficiente é esse? Em suas publicações mais recentes afirma que a deficiência é diversa e múltipla e não se pode pensá-la sem seus protagonistas, as próprias pessoas defs. Além disso, a deficiência em si, podemos admiti-la como uma construção social que se permanece na manutenção de barreiras históricas que distanciam, invisibilizam, ou melhor, apagam a presença de nossos corpos em circusntâncias e lugares onde os movimentos pela diversidade discutem suas demandas e lutas, mas não nos conta como participantes. Entrecruzo os dados atuais do IBGE, questões de Gavério e a minha pergunta inicial para pensar quais são os caminhos que estamos criando na contemporeidade para, de fato, imaginar o corpo def como um participante efetivo na conquista pelos direitos humanos. Sempre interpelo em palestras com a pergunta: o que nós defs reivindicamos: o o desenho universal dos espaços, o direito de participar das escolhas políticas e sociais que nos dizem respeito, a melhoria da mobilidade urbana, o respeito à diversidade dos corpos, não fariam do mundo um lugar mais democrático e dignificante? A resposta pode não ser tão rápida, mas é óbvia.
Percebo esses resultados do governo como um dos caminhos para a criação de políticas públicas mais efetivas e renovadas por ideias e práticas quanto a nós pessoas com deficiência elaboradas com a nossa própria participação. Também é um lugar de partida para questionarmos o que é deficiência a os tabus criados ao redor da diversidade que há na cultura def e da pessoa com deficiência como sujeito de suas escolhas, sujeito de suas criações. Percebermos que estamos e precisamos ocupar mais os lugares da cidade, universidades, áreas de lazer, postos de trabalho, espaços de cultura e arte, não apenas de fruição, mas de criação, curadoria, gestão. Onde estamos, o que fazemos, o que ocupamos?
Desse modos, os novos registros da população def no país, não apenas constatem a deficiência de um ponto de vista diagnóstico e sociológico, mas como identificação do quê e de quem diz sobre deficiência e quais políticas e lugares estão dispostos e prontos a nos receber como agentes diversos e interessantes para a construção de uma sociedade que tenha a deficiência como lugar de experiência ampla de futuridades, ou seja, uma sociedade que não mantenha privilégios e continue a nos entender de modo cinicamente capacitista.
João Paulo Lima é artista-performer- educador e escritor. Doutorando em Dança (UFBA). Mestre em Literatura Comparada (UFC) Técnico em dança contemporânea e assessor de acessibilidade. Desenvolve suas pesquisas sobre corporeidades diversas. Dirige espetáculos de dança, teatro e video- performance. É ativista dos direitos das pessoas com deficiência e colaborador do coletivo nacional LGBT: Vale PCD.