Por Ivone de Oliveira, Gata de Rodas / Ilustração Paloma Santos
No dia 28 de junho de 1969 no bar gay Stonewall Inn, no bairro de Greenwich Village, em Lower Manhattan, na cidade de Nova York, aconteceu a antológica Revolta de Stonewall que se tornaria o marco mais representativo das lutas pelos direitos civis da comunidade LGBT+ da atualidade.
Naquela época, a homossexualidade era classificada clinicamente como um transtorno mental e contraditoriamente a maioria dos estados americanos criminalizava as relações entre pessoas do mesmo sexo. Além disso, havia restrições quanto à vestimenta, com a possibilidade de prisão para quem não se vestisse com pelo menos três peças de roupa consideradas apropriadas para seu gênero, sendo que as meias não contavam. A venda de álcool para estabelecimentos frequentados por gays também era proibida.
Nesse contexto, as batidas policiais eram frequentes nos bares gays de Nova York, mas na madrugada do dia 28 de junho de 1969, quando a polícia resolveu fazer mais uma batida no Stonewall Inn, as mais de 200 pessoas que se encontravam no local reagiram contra as ameaças, espancamentos e prisões de clientes e funcionários do bar e a consequência foi uma rebelião espontânea e sem que houvesse uma organização preexistente ordenando, a revolta ganhou as ruas e tomou conta do bairro momento em que os frequentadores de outros bares gays da região se somaram ao levante. Esse turbulento confronto da polícia com aquela multidão de civis cansada e raivosa com a opressão impostas pela heterocisnormatividades, resultou na Revolta de Stonewall que mudou para sempre o curso dos movimentos LGBT+ nos quatro cantos do planeta.
Assim, junho se tornou o Mês do Orgulho LGBT+, quando ocorrem desfiles, paradas e eventos para homenagear a história de Stonewall.
Mas, se partir de Stonewall Inn, parte da comunidade gay que até então se escondia, passou ir às ruas protestar por dignidade, respeito e direitos, em 2017 foi a vez da Gata de Rodas dar continuidade a luta e promover a “Revolta de Stonewall PcD” ao levar as pessoas com deficiência para abrirem a Parada do Orgulho LGBT+ de São Paulo, em uma pioneira iniciativa de visibilidade, representatividade e quebra do tabu da sexualidade que envolve o segmento.
Mas quem é a Gata de Rodas? “Eu sou uma mulher cadeirante e bissexual que em 2016 foi à Parada do Orgulho LGBT+ de São Paulo pela primeira vez. Era só para conhecer e se divertir, porém notei a ausência das pessoas com deficiência fazendo parte do evento.
Acredito que a falta de representatividade das pessoas com deficiência em ações afirmativas LGBT+ ocorra sobretudo devido a falta de informação, de inclusão social e de acessibilidade que são um campo fértil para a invisibilidade e a disseminação do tabu da sexualidade da pessoa com deficiência e seus mitos, entre os quais se destacam: aqueles pautados na infantilização das pessoas com deficiência que nesse enfoque são consideradas eternas crianças e anjinhos, ou seja, puras, inocentes, virgens e sem maldades, sendo comum serem chamadas ou terem apelidos e tratamentos na forma diminutiva, ganharem de desconhecidos carinhosos beijinhos na testa e a cadeira de rodas por analogia acaba até virando a extensão de um carrinho de bebê; a infantilização leva acreditar que as pessoas com deficiência não têm desejos, interesses e nem necessidades sexuais, e que são desprovidas de orientação sexual e identidade de gênero; paradoxalmente a infantilização, ocorrem aqueles que compreendem a ideia que as pessoas com deficiência são hiperxuadas e pervertidas sexualmente, uma vez que são dotadas de sexualidade desviante e possuem disfunções sexuais relacionadas ao desejo, ao tesão e ao orgasmo que por sua vez são exacerbados e incontroláveis; aqueles associados a corponormatividade que enfatizam que corpos que não se encaixam no padrão não são considerados bonitos, nem atraentes e desejáveis e por isso não são uma boa opção para relacionamentos amorosos e sexuais; e aqueles que agem como barreiras ao direito reprodutivo ao acreditar que as pessoas com deficiência são estéreis, que geram filhos com deficiência e que melhor seria que nem filhos tivessem já que não têm condições cuidar nem delas mesmas.
Levando em conta a Lei Brasileira de Inclusão que garante às pessoas com deficiência o direito a sexualidade, a reprodução, a orientação sexual e identidade de gênero, elaborei o projeto de inclusão e acessibilidade das pessoas com deficiência na Parada LGBT+ e no final de 2016 apresentei a proposta à Associação da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo que foi aceita e colocada em prática imediatamente para que acontecesse na 21ª edição do evento que seria no próximo ano.
E foi no ensolarado domingo de 18 de junho de 2017, que a Gata de Rodas e as pessoas com deficiência, inclusive muitos cadeirantes, ocuparam a Avenida Paulista e pela primeira vez na história abriram com orgulho a Parada LGBT+ de São Paulo, em uma empoderada marcha de libertação e expressão da diversidade sexual e de gênero antes nunca vista no mundo”.
Ivone de Oliveira, conhecida como a blogueira Gata de Rodas. É uma mulher cadeirante, cisgênero, bissexual, formada em Ciências Contábeis e pós graduada em governança de tecnologia, informação e inovação. É palestrante, militante/ativista pela causa da diversidade sexual e a responsável pela primeira inclusão das pessoas com deficiência na Parada do Orgulho LGBT de São Paulo, em 2017.